O grupo tupi-guarani seguia marcha com
o pescoço enlaçado um ao outro numa fila indiana de cinco homens, guiados por
quatro traficantes incas, dois à frente e dois atrás. Agora estavam na estrada
que os levariam ao império, até o anoitecer chegariam no primeiro entreposto, os
cinco cativos se juntariam a mais outros e somente quando necessário a caravana
partiria, quando se encontrassem com os outros companheiros e indígenas
capturados.
A distância seria vencida rapidamente
sob a estrada pavimentada e os homens incas se sentiam mais seguros porque
aquela rota era evitada com temor por todos indígenas daquela região, que cada
vez mais travavam confrontos sanguinolentos, quase sempre terminando como
escravos na distante terra rica estrangeira, construída pelos deuses ainda que fossem
eles a talhar as pedras.
O último da fila andava trôpego de
tristeza, as vezes a umidade dos olhos o fazia tropeçar e sempre que deixava a
corda tesa por estar distante do próximo índio preso ao elo, recebia estocadas
de cabos de lanças para pô-lo em movimento. Chorava com muita angústia
lembrando do filho assassinado brutalmente com o crânio aberto ao meio e de sua
mulher sendo estuprada no centro da aldeia por três homens, nenhuma daqueles
que agora os escoltavam, mas sentia um nojo igual por aqueles incas, pois
também estavam na matança. Teria vomitado ao lembrar de sua impotência enquanto
era feito cativo e sua mulher implorava por socorro, mas não havia mais nada no
seu estômago para ser despejado.
Recebeu outra estocada enquanto os dois
incas conversavam e riam numa língua muito diferente da sua, pensou que
estivessem rindo dele ou de sua mulher, pois lembrava também que aqueles dois
riam de longe no momento que a violência sexual acontecia e só não a estupraram
com os outros porque fora morta e tiveram que se contentar com outra.
Sentiu ódio ao imaginar, rezou baixinho
para que o Curupira aparecesse, eles sabiam dos perigos do povo Inca e deixara
sua filhinha ser oferecida ser oferecida ao curupira pelo chefe da tribo, pois
dizia que ele viria ajudá-los, por ser uma criatura amante da natureza e
daqueles que convivem em harmonia com ela. Mas ele não apareceu e aquela aldeia
caiu em sangue e chamas. O deus níveo de fortes músculos e alta estatura não
veio, nem sua cabeleira escarlate apareceu entre as árvores, nem seus olhos
opacos e brancos como leite surgiram para olhar a chacina, pois no momento
deveria estar se deliciando com a sua filhinha de três anos, usando sua
genitália para feri-la e matá-la, a degolando e bebendo seu sangue, como costuma
fazer. Sentiu mais tristeza ainda pelo sacrifício ter sido em vão e ódio pelo
Curupira não ter protegido seu povo.
E o Curupira estava mesmo brincando com
sua indiazinha de pele escura no momento que a aldeia era atacada, a molestando
enquanto a mãe dela era estuprada, degolando a criança no momento que a mulher
também morria e as malocas ardiam em chamas. Após matá-la, a escalpelou com uma
lâmina e começou por comer o pequenino fígado, escuro e bem vermelho de sangue,
mastigou com deleite sentindo o gosto férrico do órgão, depois tirou os filetes
mais suculentos de carne e os comeu lambendo os dedos.
Enterrou o resto da criança para que as
sobras transformassem-se no manjar pútrido que adora comer e neste momento os
cativos eram feitos escravos escoltados pelos incas, mas aquela escolta era a
última sobrevivente e não sabiam, na verdade o curupira fizera jus ao
sacrifício e salvara vinte e três homens da escravidão matando dezesseis incas.
O sorriso dos dentes de ouro surgiu por
detrás dos dois traficantes incas, antes que i ar mefítico que exalava do corpo
chegassem aquelas narinas, então o mais distraído recebeu a lâmina na garganta
primeiro num movimento rápido de mãos que surgiram de baixo para cima, uma
cortando e outra segurando a boca. Jogou o corpo trêmulo do lado e o segundo,
ao se virar procurando o cheiro de carniça, recebeu a lâmina abaixo do maxilar,
entrou varando o palato e ficando no cérebro, retirou a lâmina no momento que o
bando olhava alarmado o deus albino brilhando em escarlate, nu com um sorriso
d’ouro brilhando na boca, os olhos leitosos como uma criatura vinda do
submundo!
Os dois outros incas paralisaram de
terror, a lenda era verdadeira e estava à frente deles, mas mal viraram para
correr e um deles caiu com a lança arremessada pelo Curupira, que quebrou a
coluna varando o peito do inca.
Outra lança foi pega, do segundo
cadáver, o curupira fez que a arremessaria no momento que todos os
tupi-guaranis caíam de joelhos idolatrando seu deus, até mesmo aquele índio que
havia sentido ódio por ter sido abandonado, mas não arremessou a lança, fez um
semblante medonho, seus olhos se tornaram negros e gritou na mente do inca que
corria:
– Corra! E
diga ao deus Inca que seu império está condenado! Ele ruíra é mergulhará em
cinzas de destruição. Diga que a cor de sua desgraça será branca!
O inca tentou tapar os ouvidos, mas a
voz martelou até o final, quase desmaiou e não ousou olhar para trás correndo
para o seu interposto.
Soltou os homens aprisionados e eles
saíram da estrada rapidamente, sem mesmo olhar par ao deus que reverenciavam.
Naquele momento, hesitara matar o último inimigo daquela expedição, porque
sentira um arrepio gélido, na sua mente se formava a visão de três grandes
barcos e homens brancos chegando distante dali na sua floresta de mata
atlântica, então correu o mais rápido que pôde até o litoral, seus pés
invertidos deixando pegadas falsas na terra vermelha. Daquele dia em diante,
seus olhos sempre foram negros como ônix.
10/08/2014
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