terça-feira, 30 de setembro de 2014

Estrada Inca

O grupo tupi-guarani seguia marcha com o pescoço enlaçado um ao outro numa fila indiana de cinco homens, guiados por quatro traficantes incas, dois à frente e dois atrás. Agora estavam na estrada que os levariam ao império, até o anoitecer chegariam no primeiro entreposto, os cinco cativos se juntariam a mais outros e somente quando necessário a caravana partiria, quando se encontrassem com os outros companheiros e indígenas capturados.
A distância seria vencida rapidamente sob a estrada pavimentada e os homens incas se sentiam mais seguros porque aquela rota era evitada com temor por todos indígenas daquela região, que cada vez mais travavam confrontos sanguinolentos, quase sempre terminando como escravos na distante terra rica estrangeira, construída pelos deuses ainda que fossem eles a talhar as pedras.
O último da fila andava trôpego de tristeza, as vezes a umidade dos olhos o fazia tropeçar e sempre que deixava a corda tesa por estar distante do próximo índio preso ao elo, recebia estocadas de cabos de lanças para pô-lo em movimento. Chorava com muita angústia lembrando do filho assassinado brutalmente com o crânio aberto ao meio e de sua mulher sendo estuprada no centro da aldeia por três homens, nenhuma daqueles que agora os escoltavam, mas sentia um nojo igual por aqueles incas, pois também estavam na matança. Teria vomitado ao lembrar de sua impotência enquanto era feito cativo e sua mulher implorava por socorro, mas não havia mais nada no seu estômago para ser despejado.
Recebeu outra estocada enquanto os dois incas conversavam e riam numa língua muito diferente da sua, pensou que estivessem rindo dele ou de sua mulher, pois lembrava também que aqueles dois riam de longe no momento que a violência sexual acontecia e só não a estupraram com os outros porque fora morta e tiveram que se contentar com outra.
Sentiu ódio ao imaginar, rezou baixinho para que o Curupira aparecesse, eles sabiam dos perigos do povo Inca e deixara sua filhinha ser oferecida ser oferecida ao curupira pelo chefe da tribo, pois dizia que ele viria ajudá-los, por ser uma criatura amante da natureza e daqueles que convivem em harmonia com ela. Mas ele não apareceu e aquela aldeia caiu em sangue e chamas. O deus níveo de fortes músculos e alta estatura não veio, nem sua cabeleira escarlate apareceu entre as árvores, nem seus olhos opacos e brancos como leite surgiram para olhar a chacina, pois no momento deveria estar se deliciando com a sua filhinha de três anos, usando sua genitália para feri-la e matá-la, a degolando e bebendo seu sangue, como costuma fazer. Sentiu mais tristeza ainda pelo sacrifício ter sido em vão e ódio pelo Curupira não ter protegido seu povo.
E o Curupira estava mesmo brincando com sua indiazinha de pele escura no momento que a aldeia era atacada, a molestando enquanto a mãe dela era estuprada, degolando a criança no momento que a mulher também morria e as malocas ardiam em chamas. Após matá-la, a escalpelou com uma lâmina e começou por comer o pequenino fígado, escuro e bem vermelho de sangue, mastigou com deleite sentindo o gosto férrico do órgão, depois tirou os filetes mais suculentos de carne e os comeu lambendo os dedos.
Enterrou o resto da criança para que as sobras transformassem-se no manjar pútrido que adora comer e neste momento os cativos eram feitos escravos escoltados pelos incas, mas aquela escolta era a última sobrevivente e não sabiam, na verdade o curupira fizera jus ao sacrifício e salvara vinte e três homens da escravidão matando dezesseis incas.
O sorriso dos dentes de ouro surgiu por detrás dos dois traficantes incas, antes que i ar mefítico que exalava do corpo chegassem aquelas narinas, então o mais distraído recebeu a lâmina na garganta primeiro num movimento rápido de mãos que surgiram de baixo para cima, uma cortando e outra segurando a boca. Jogou o corpo trêmulo do lado e o segundo, ao se virar procurando o cheiro de carniça, recebeu a lâmina abaixo do maxilar, entrou varando o palato e ficando no cérebro, retirou a lâmina no momento que o bando olhava alarmado o deus albino brilhando em escarlate, nu com um sorriso d’ouro brilhando na boca, os olhos leitosos como uma criatura vinda do submundo!
Os dois outros incas paralisaram de terror, a lenda era verdadeira e estava à frente deles, mas mal viraram para correr e um deles caiu com a lança arremessada pelo Curupira, que quebrou a coluna varando o peito do inca.
Outra lança foi pega, do segundo cadáver, o curupira fez que a arremessaria no momento que todos os tupi-guaranis caíam de joelhos idolatrando seu deus, até mesmo aquele índio que havia sentido ódio por ter sido abandonado, mas não arremessou a lança, fez um semblante medonho, seus olhos se tornaram negros e gritou na mente do inca que corria:
Corra! E diga ao deus Inca que seu império está condenado! Ele ruíra é mergulhará em cinzas de destruição. Diga que a cor de sua desgraça será branca!
O inca tentou tapar os ouvidos, mas a voz martelou até o final, quase desmaiou e não ousou olhar para trás correndo para o seu interposto.
Soltou os homens aprisionados e eles saíram da estrada rapidamente, sem mesmo olhar par ao deus que reverenciavam. Naquele momento, hesitara matar o último inimigo daquela expedição, porque sentira um arrepio gélido, na sua mente se formava a visão de três grandes barcos e homens brancos chegando distante dali na sua floresta de mata atlântica, então correu o mais rápido que pôde até o litoral, seus pés invertidos deixando pegadas falsas na terra vermelha. Daquele dia em diante, seus olhos sempre foram negros como ônix. 

10/08/2014
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