Uma planície desolada com nuvens de chumbo num horizonte
obscurecido nos convida a sentar na poeira negra e contemplar a vastidão
homogenia da solidão, medo e abandono. Colar os dedos nas fuligens e abraçar o
próprio corpo trêmula no frio da terra onde os raios de sol não mais tocam.
Em matizes violetas, nossa retina se perde, ficamos a
procura de alguma vibração mais agradável aos olhos, mas só podemos sentir a
brisa gélida anunciando a noite, poeiras dançando no deserto, seus olhos sobem
para ver os céus, mas nenhum pássaro voa, nada canta, apenas o vento, atrás de
si areias e cinzas são quebradas por leves passos.
Poderia ser espantoso ver uma humana, mas nem isso causaria
surpresas no antipático ânimo pessimista de um ser vivo. Não se incomodou que
fosse a morte chegando perto dela, não havia preocupações quanto sua vida, ela
era aquele deserto, carbono e ar. Que a morte chegasse junto sentasse ao seu
lado para contemplar a beleza da natureza de seu mundo.
Mas não sentou-se ao seu lado, ficou de frente a ela,
curiosas, mudas, impassíveis, neste momento seria impossível dizer entre quem
era a interceptadora e interceptada. Seus membros se moviam por faces opostas,
trocando experiências sensoriais, atestando a veracidade daquela imagem como
quem toca o reflexo no espelho.
De tudo a volta delas um enlatado era o elemento mais
comovente, de lágrimas encherem os olhos, com um misto de tesão e curiosidade
ela via como ela comia. Com lentidão e comovida de prazer, ela mastigava cada
dedada de alimento que levava a boca, assim, juntas, sem dizer palavra alguma,
elas comiam da mesma lata em plena sororidade.
Chegaram mais perto uma da outra, se deram conta de sua
existência, não era uma alucinação, o deserto de fuligem e sedimentos, rochosos
e metálicos, existia em volta delas, tão real como a textura lixiviada pelo
vendo de seus rostos. Real como o sabor pútrido do que comiam, como o tremer de
seus ossos e aquele forte abraço antes da noite chegar.
Um abraço cálido, mas incrédulo, depois, forte, forte para
saber de fato a presença daquela humana, sem que seus lábios se abrissem para
articular qual fosse a palavra. Por isso quando uma se levantou para procurar
abrigo, a outra respondeu de imediato, como se fossem almas gêmeas na desolação
da Terra.
***
Distante do universo que conhecia, manchas negras distintas
se destacavam do deserto cinzento, seus corpos resistindo aos fortes ventos
abrasivos, caminhando sempre uma ao lado da outra, parecendo ambas cientes de
seu destino. Apesar do desconhecido ela nunca antes se sentira tão segura
naquela solidão, finalmente ela se sentia capaz de ser algo mais que aquele
deserto, era capaz de sentir a si mesma, recém nascida das cinzas.
E o que era distinto tomou forma de um abrigo, a noite
havia caído fazia algum tempo e um tempo maior ainda demoraram para se proteger
dos ventos. Ela podia perceber um brilho, como a lenda de estrelas no céu, mas
estava na areia do deserto.
Quando mais perto chegaram e adentraram aquele promontório
negro de aço, a fogueira brilhava e o fogo tomou conta de seus olhos, aquelas
chamas a hipnotizaram e teve ganas de querer tocá-las. Tremulavam ao sabor do
vento na noite, como uma mulher indomável, digna de ser contemplada.
De repente, ela percebeu que neste tempo todo um homem a
olhava por trás das chamas, ela se voltou agoniada para fugir, mas foi recebida
com um golpe de ferro no estômago pela mulher, que a fez cair no mesmo instante
se retorcendo de dor, tentando buscar alento naquela atmosfera carregada de
aerossóis.
Enquanto a mulher segurava seus braços a arrastando para
uma superfície mais elevada, o homem arrancou suas calças puxando por seus pés
que não tinham forças para se agitar, ele desceu entre suas pernas e tentou
penetrá-la, reagiu tentando chutá-lo, recebeu outro golpe forte, no diafragma,
desta vez ela ficou sem ar, suas pernas amoleceram e o estuprador colocou o
pênis rasgando sua vagina. Enquanto ela tentava respirar ele trepava em cima
dela, com todo vigor que tinha, vendo seu semblante coberto de desespero, se
sentia mais excitado com isso, a comia com força, a estuprava com muito prazer
sorrindo lascivamente para sua companheira.
Ela não conseguia resistir, as sombras vindo da fogueira
giravam com sua mente, viu que a mulher que a segurava também sorria, chorou e
se contorcendo de dor preferiu não ficar encarando quem violava seu corpo, para
que a dor passasse mais depressa. Mas não passou, eles grudaram nos seus
pequenos seios com fortes unhas grossas e laceraram a sua pele, ela gritaria se
soubesse o que era isso, mas só conseguia sofrer tentando respirar aquele ar
seco. Sua dor e paralisia aumentava a cada instante, aquilo era a morte e o fim
do seu corpo, agora sua essência vagaria como o vento e só pensou na beleza
cênica do deserto de fuligens e poeira...
Ele gozou fora dela, seu esperma caindo perto da vagina,
com dois dedos ele lambeu do seu próprio gozo e também levou os mesmos dedos a
boca da parceira, com porra. Depois com olhos vítreos de tesão pegaram pedaços
de ferro e malharam o corpo dela de golpes quebrando suas costelas primeiro,
ela gritou, algo saiu de sua boca lhe dando medo, eram gritos de dor. Ela
pensou "Por que vocês estão me machucando? Eu sei o que é gritar".
A criancinha gritou e chorou mais um pouco, até quando
começou a receber pancadas no rosto e no crânio, sangue caindo até seu pescoço,
o metal partindo seus ossos da cabeça, aquela menina ouviu o vento do deserto
lá fora e pensou que seria um momento feliz se pudesse morrer o contemplando,
queria ser como ele, imenso, solitário e indomável.
23/06/2016
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