sábado, 25 de junho de 2016

Deserto negro

Uma planície desolada com nuvens de chumbo num horizonte obscurecido nos convida a sentar na poeira negra e contemplar a vastidão homogenia da solidão, medo e abandono. Colar os dedos nas fuligens e abraçar o próprio corpo trêmula no frio da terra onde os raios de sol não mais tocam.
Em matizes violetas, nossa retina se perde, ficamos a procura de alguma vibração mais agradável aos olhos, mas só podemos sentir a brisa gélida anunciando a noite, poeiras dançando no deserto, seus olhos sobem para ver os céus, mas nenhum pássaro voa, nada canta, apenas o vento, atrás de si areias e cinzas são quebradas por leves passos.
Poderia ser espantoso ver uma humana, mas nem isso causaria surpresas no antipático ânimo pessimista de um ser vivo. Não se incomodou que fosse a morte chegando perto dela, não havia preocupações quanto sua vida, ela era aquele deserto, carbono e ar. Que a morte chegasse junto sentasse ao seu lado para contemplar a beleza da natureza de seu mundo.
Mas não sentou-se ao seu lado, ficou de frente a ela, curiosas, mudas, impassíveis, neste momento seria impossível dizer entre quem era a interceptadora e interceptada. Seus membros se moviam por faces opostas, trocando experiências sensoriais, atestando a veracidade daquela imagem como quem toca o reflexo no espelho.
De tudo a volta delas um enlatado era o elemento mais comovente, de lágrimas encherem os olhos, com um misto de tesão e curiosidade ela via como ela comia. Com lentidão e comovida de prazer, ela mastigava cada dedada de alimento que levava a boca, assim, juntas, sem dizer palavra alguma, elas comiam da mesma lata em plena sororidade.
Chegaram mais perto uma da outra, se deram conta de sua existência, não era uma alucinação, o deserto de fuligem e sedimentos, rochosos e metálicos, existia em volta delas, tão real como a textura lixiviada pelo vendo de seus rostos. Real como o sabor pútrido do que comiam, como o tremer de seus ossos e aquele forte abraço antes da noite chegar.
Um abraço cálido, mas incrédulo, depois, forte, forte para saber de fato a presença daquela humana, sem que seus lábios se abrissem para articular qual fosse a palavra. Por isso quando uma se levantou para procurar abrigo, a outra respondeu de imediato, como se fossem almas gêmeas na desolação da Terra.

***

Distante do universo que conhecia, manchas negras distintas se destacavam do deserto cinzento, seus corpos resistindo aos fortes ventos abrasivos, caminhando sempre uma ao lado da outra, parecendo ambas cientes de seu destino. Apesar do desconhecido ela nunca antes se sentira tão segura naquela solidão, finalmente ela se sentia capaz de ser algo mais que aquele deserto, era capaz de sentir a si mesma, recém nascida das cinzas.
E o que era distinto tomou forma de um abrigo, a noite havia caído fazia algum tempo e um tempo maior ainda demoraram para se proteger dos ventos. Ela podia perceber um brilho, como a lenda de estrelas no céu, mas estava na areia do deserto.
Quando mais perto chegaram e adentraram aquele promontório negro de aço, a fogueira brilhava e o fogo tomou conta de seus olhos, aquelas chamas a hipnotizaram e teve ganas de querer tocá-las. Tremulavam ao sabor do vento na noite, como uma mulher indomável, digna de ser contemplada.
De repente, ela percebeu que neste tempo todo um homem a olhava por trás das chamas, ela se voltou agoniada para fugir, mas foi recebida com um golpe de ferro no estômago pela mulher, que a fez cair no mesmo instante se retorcendo de dor, tentando buscar alento naquela atmosfera carregada de aerossóis.
Enquanto a mulher segurava seus braços a arrastando para uma superfície mais elevada, o homem arrancou suas calças puxando por seus pés que não tinham forças para se agitar, ele desceu entre suas pernas e tentou penetrá-la, reagiu tentando chutá-lo, recebeu outro golpe forte, no diafragma, desta vez ela ficou sem ar, suas pernas amoleceram e o estuprador colocou o pênis rasgando sua vagina. Enquanto ela tentava respirar ele trepava em cima dela, com todo vigor que tinha, vendo seu semblante coberto de desespero, se sentia mais excitado com isso, a comia com força, a estuprava com muito prazer sorrindo lascivamente para sua companheira.
Ela não conseguia resistir, as sombras vindo da fogueira giravam com sua mente, viu que a mulher que a segurava também sorria, chorou e se contorcendo de dor preferiu não ficar encarando quem violava seu corpo, para que a dor passasse mais depressa. Mas não passou, eles grudaram nos seus pequenos seios com fortes unhas grossas e laceraram a sua pele, ela gritaria se soubesse o que era isso, mas só conseguia sofrer tentando respirar aquele ar seco. Sua dor e paralisia aumentava a cada instante, aquilo era a morte e o fim do seu corpo, agora sua essência vagaria como o vento e só pensou na beleza cênica do deserto de fuligens e poeira...
Ele gozou fora dela, seu esperma caindo perto da vagina, com dois dedos ele lambeu do seu próprio gozo e também levou os mesmos dedos a boca da parceira, com porra. Depois com olhos vítreos de tesão pegaram pedaços de ferro e malharam o corpo dela de golpes quebrando suas costelas primeiro, ela gritou, algo saiu de sua boca lhe dando medo, eram gritos de dor. Ela pensou "Por que vocês estão me machucando? Eu sei o que é gritar".
A criancinha gritou e chorou mais um pouco, até quando começou a receber pancadas no rosto e no crânio, sangue caindo até seu pescoço, o metal partindo seus ossos da cabeça, aquela menina ouviu o vento do deserto lá fora e pensou que seria um momento feliz se pudesse morrer o contemplando, queria ser como ele, imenso, solitário e indomável.

23/06/2016




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